Um mingau se come pelas beiradas, ensina o dito. Agora imagine encarar um desses: o das almas. Conta a minha mãe que, em criança, a sua avó lhe dizia que a remela nas beiradas dos olhos da gente, pela manhã, era obra das almas. Elas vinham, espalhavam a papa cabalística, sabe-se lá a razão, nos olhos dos vivos, e depois saíam sem que lhes percebessem a presença, que só seria verificada quando aquela coisa pegajosa os impedisse de abrir bem os olhos, ao amanhecer.
Diz a minha mãe que não tinha medo nenhum do tal mingau, porque a avó lhe falava sobre isso num tom jocoso, sempre alegre. (Em compensação, morria de pavor de cemitério, por causa das almas passeando no derredor.)
Mas por que, pelas Almas do Purgatório, se assustava uma criança naquele tempo com essa história macabra? A bisavó não queria assustar, está claro, mas quantas crianças da época não acordaram em pânico ao notar a secreção? Não é possível pensar noutro propósito para se ter espalhado a lenda que não o de inculcar nos pequenos um importante hábito de higiene matinal. Afinal que menino, ao crer em tal horror, se arriscaria a passar o dia com os olhinhos sujos de uma gosma do além?
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